domingo, 5 de outubro de 2008

Ensaio sobre a cegueira

Em respeito aos que leram a fantástica obra de Saramago, Ensaio sobre a Cegueira, focarei aqui os detalhes da adaptação da sexta arte para a sétima arte. No entanto, também em respeito aos que não leram, falarei também do filme em separado.

O diretor Fernando Meirelles pertence ao mundo, não mais somente ao Brasil. Fico feliz em saber que no futuro, daqui a décadas, o planeta lembrará dele. Desde 2001, com Domésticas, o cara começou a surpreender. Depois vieram as obras primas Cidade de Deus (2002) e o Jardineiro Fiel (2005). Lá na frente, também vou poder me orgulhar, pois fiz curso de roteiro com um dos maiores cineastas que o país já teve. E aprendi muito com ele (e o Bráulio Mantovani, que também ministrou).

Dito isso, não podia esperar que o filme, atualmente nos cinemas, fosse ruim. Pelo contrário. Meirelles conseguiu de novo. Ensaio sobre a cegueira é um belo longa, emociona em vários sentidos – consegue nos passar o desespero de um mundo de cegos e o quanto pode pesar um fardo quando este está sobre as costas de um – e nos leva a uma reflexão do quanto a natureza humana pode se alterar em situações extremas.

Confesso que quando li o livro (só encare quem estiver mesmo disposto a enfrentar o estilo extremamente peculiar de Saramago), temi por Meirelles. Não imaginei como aquilo poderia ser colocado na tela. Ao conseguir isso, ele ganhou ainda mais crédito. O próprio escritor, vencedor do prêmio Nobel de Literatura, adorou e disse: “Agora conheço a cara dos meus personagens”. O filme é completo. Mesmo sem a narração (que ele decidiu retirar antes do lançamento mundial). Fernando consegue até mesmo captar, filmar a cegueira – algo que me preocupava.

Vale sempre lembrar que adaptar um livro para a grande tela não é fácil. Aliás, é dificílimo. Normalmente são precisas umas três, quatro horas para conseguir um bom resultado, e os produtores nunca deixam filmar mais que duas horas e meia. O livro é sempre melhor. O do Saramago o é. Mas temos de lembrar que muitas coisas só funcionam descritas num papel. Ensaio sobre a cegueira, de Meirelles, vai entrar para a minha lista das melhores adaptações da sexta para a sétima arte (para quem não entendeu, leiam minha próxima crítica, falando das artes).

Julianne Moore faz ótimo papel como a mulher do médico, interpretado honestamente por Mark Ruffalo. Danny Glover e Gael García Bernal também se destacam. A brasileira Alice Braga (Cidade de Deus e Eu Sou a Lenda) também tem participação importante, como a prostituta (não estranhe os personagens não terem nome).

Alguns críticos consideraram o filme um pouco violento em determinados momentos. Discordo completamente. Se há algum defeito no longa de Meirelles, é o de ter abrandado a violência retratada por Saramago, visceral, necessária. O escritor português não poupou nadinha, o que acho ótimo. Infelizmente, no cinema, é sempre preciso tapar o sol com a peneira.

Vale a pena?
Claro! Vi algumas pessoas enfadadas no cinema. Que se lasquem. Estas não sabem apreciar um filme que deixa o espectador inquieto, pensativo, e de um jeito, ainda assim, poético.

Nota
8,7
Ensaio sobre a cegueira é um bom filme. No entanto, a história cai melhor em livro. Isso dá ainda mais crédito a Meirelles, eu sei. Se você estiver em um cinema sem idiotas fazendo barulho (o que é raro, pois as antas infestam as salas), aí, quem sabe, você pode absorver toda a atmosfera dessa inquietante trama, sentir-se dentro da tela, como se fosse um cego.
Luciano Marques